Erza "Titania" Scarlet

Tinha acabado de tomar banho, usando a minha capacidade de reequipar para mudar para uma roupa mais confortável, enquanto atravessava o corredor cheio de armaduras até à minha mini suite privada. Sentei-me na cama, após fechar as cortinas, acabando por me deixar deitar sobre o colchão, ficando a encarar o tecto por breves instantes. Já tinham passado horas desde que eu me separara dele e a única coisa em que conseguia pensar, verdadeiramente, era em como ele parecia tão... Indefeso, tão diferente do Jellal a que eu me habituara conhecer. Tão... Estranhamente humano, como era antes. Ele dizia que não se recordava do que quer que fosse - e eu, convenhamos, era forçada a acreditar nisso por me parecer incrivelmente lógico, tendo em conta os últimos acontecimentos e o seu próprio comportamento, em especial em relação a mim - mas ainda me era tão difícil confiar inteiramente nele. Tudo bem, ele afirmara que não procurava a minha confiança, era certo, mas mesmo assim... Eu já nem sabia bem o que pensar...
Tentei fechar os olhos para procurar descansar um pouco. Aquele dia tinha sido estafante. E eu ainda tinha, além de começar a procurar a Ultear, de falar com o Mestre Makarov, no dia seguinte. Não me soava ainda muito bem que ele tivesse confiado mais na Mirajane do que em mim, fosse por que assunto fosse.

Virei-me um pouco na cama, procurando descansar um pouco, abraçando a almofada devagar para tentar sentir algum conforto - mesmo que ínfimo.

Levantei a cabeça, sentando-me na cama de imediato ao ouvir o som daquela voz. Procurei-o com os olhos, encontrando a sua figura parada na fachada da porta do meu quarto. Teria corado se não tivesse notado tratar-se de uma mera projecção astral - também devido ao que ele dissera. Suspirei.
- Entra. Podes entrar, eu espero por ti aqui.
Não me agradava exatamente o facto de ele ter tanto controlo sobre mim, naquele momento. No entanto, conversar com ele fora do meu dormitório tornaria tudo muito mais suspeito para o seu disfarce, certo? Sim, era nisso que eu tinha de pensar. A minha sanidade mental de pouco valia naquele instante. E eu não iria perder o controlo da situação. Eu não iria permitir que ele me atacasse, novamente. Ainda existia algo nos seus olhos que conseguia fazer-me confiar nele.

Não demorou muito até que, quase por um qualquer tipo de instinto feminino, eu me apressasse a cobrir melhor as partes mais destapadas do meu corpo, numa tentativa vã de tapar-lhe a vista sobre mim. Normalmente, eu não me importava muito com isso. No entanto, o facto de ter Jellal no meu quarto - àquela hora da noite, em especial - e de estarmos mesmo que por poucos minutos sozinhos, chegava para me deixar arrepiada e deveras mais do que desconfortável. Com medo de perder o mesmo controlo que eu me esforçava por manter perto dele.
Suspirei, acabando por me levantar para ir abrir-lhe a porta do dormitório, deixando-o entrar.
- Passou-se alguma coisa? - perguntei quase de imediato. A ideia de que ele tivesse ido ali apenas para ver-me não me era, de todo, pouco deliciosa mas tendo em conta a nossa posição actual, era melhor que eu não me aventurasse a pensar em coisas desse tipo relativamente a ele.

Encarei a porta somente depois, suspirando sem me virar para ele nos segundos seguintes. Ainda cerrei os punhos antes de acabar por o encarar, novamente.
- Na verdade, eu também não sei muito sobre ela. Apenas que... Ela é capaz de mexer com a magia do tempo. E que é estranhamente poderosa à sua maneira. Tu próprio - ou a pessoa que eras antes - serias capaz de reconhecê-la melhor do que eu, a qualquer altura - disse simplesmente, fixando os olhos nos seus durante um pouco de tempo.

- Pelo que me lembro nunca soube de que o nome dela estivesse associado a alguma Guilda - confessei apenas. Mas calei-me depois. Por algum motivo que eu esperava não saber qual durante os próximos 25 milénios e adiante, o facto de ele se recordar do meu nome acendia uma imensa chama pelo meu peito a dentro.
Mordi o lábio, em seguida, abanando a cabeça e repetindo a mesma frase que me martelava na cabeça desde há horas, para mim própria "Isso não significa nada!". Porque, na verdade, não significava mesmo.

Encarei-o, completamente sem resposta, sentindo as minhas forças para enfrentá-lo abandonarem-me no mesmo instante em que ele se aproximou. Não conseguia articular as palavras, mesmo mexendo a boca para falar, elas simplesmente recusavam-se a sair.
Baixei a cabeça, em seguida, tentando recuperar pelo menos algum do meu bom senso, ao fugir aos olhos dele. Ele nem... Fazia ideia, pois não? Ele nem fazia ideia das coisas que eu sentia, que pensava... Das coisas que, tantas vezes e involuntariamente, eu sonhava relativamente a ele, certo?
- N-Nós... Nós éramos amigos - tentei explicar rapidamente, antes mesmo de permitir que a minha própria voz trémula me traísse e me denunciasse e, de caminho, a todas as minhas fraquezas relativamente a ele - Éramos amigos quando... Éramos crianças. E... Um dia, tu... Tu mudaste. Do nada, tu... Mudaste. Deixaste de ser a pessoa que eras. Mandaste-me embora. E disseste aos outros que eu os tinha abandonado. Mataste o Simon. Usaste-os a todos. Afastaste-me dos meus amigos - olhei-o nos olhos, sentindo as mãos e as pernas tremerem, à medida que eu tentava controlar-me a mim mesma para não esmurrá-lo, dar-lhe o troco por todos aqueles anos ou, simplesmente, para não me desfazer em lágrimas apesar do meu peito teimar claramente por tal - Eu... Nós não...

- Não. Não eras - disse simplesmente, sem lhe adiantar mais nada. Eu própria desconhecia a razão para ele ter mudado tanto. Sabia as coisas a que ele tinha sido sujeito, o que tinham tentado fazer-lhe visto que a mim tinham tentado fazer o mesmo, mas nada mais que adiantasse o motivo pelo qual ele se tornara tão... Cruel? Mau? Horrível? Assassino? Tudo isso junto e mais algumas coisas?
Encarei somente o chão, em seguida.

- Eu não faço ideia - cortei-lhe a palavra, subindo ligeiramente a voz, cruzando os braços mais numa atitude de defesa à vontade que as minhas lágrimas tinham de se mostrar do que simplesmente para calá-lo ou ser rude com ele. De facto, eu não fazia. Tinha algumas suspeitas mas elas pareciam-me infundadas demais e, portanto, preferia não apostar no assunto ou tentar chamá-lo à discussão. Suspirei, depois, baixando a cabeça - Não faço... Ideia, Jellal. Só sei que mudaste. De uma hora para a outra. Só sei que... Desde esse dia nunca mais te reconheci. Sei apenas que os usaste para o teu propósito e me mandaste embora da Torre. Me disseste para não voltar. Me ameaçaste. Sei que só o fizeste para mais tarde me usares como um sacrifício, apesar de não saber muito bem o que te passou pela cabeça na altura visto que eu conseguia ser ainda mais fraca do que tu, naquele momento. Não sei como previste que eu me tornaria no que sou. Nem sei sequer se foste tu o próprio que previu isso ou se foi alguém dentro da tua cabeça que... - calei-me depois. Suspirei de novo. Eu já tinha falado de mais. E, se havia algo que eu havia aprendido ao longo de todos aqueles anos era a apenas dizer as palavras suficientes para preservar algum respeito por parte dos outros no que tocava à minha pessoa. Todo o resto era excedente... Um excedente que podia trazer-me grandes sarilhos.

- Tu... Não sabes... Nada... Sobre o meu sofrimento. Nada - limitei-me a dizer pausadamente, fulminando-o com o olhar de tal modo que chegaria para o fazer sair dali a correr, se aquela fosse uma ocasião normal. Ou, talvez, se ele fosse o Natsu ou o Gray, por exemplo - Não sabes nada sobre mim. Não sabes nada sobre quem sou. Sobre quem me tornei. Não sabes sequer nada sobre as coisas que sinto ou que penso. Portanto... Pára de querer fugir e assume as tuas responsabilidades. Assume aquilo que fizeste, assume os teus erros, Jellal. Comporta-te à altura da pessoa que foste um dia, se é que alguma vez tu foste de facto o miúdo nobre e corajoso que conheci.
Olhei-o apenas, ainda da mesma forma, procurando algures nos seus olhos uma réstia da existência daquela pessoa de que me lembrava e que era ele, antes de tudo aquilo. Antes de ele se tornar no monstro que vim a conhecer, mais tarde. Antes de o que quer que fosse tomar conta dele, da sua cabeça, dos seus sentimentos. Da sua bondade e decência.

Só o olhei fixamente, perdendo aos poucos toda a resistência que dava às lágrimas, sentindo as suas palavras cortarem em pedaços cada zona, já de si, mais sensível do meu coração ferido. Vi-me de novo na pele da mesma menina de há anos esquecidos atrás, a mesma a quem ele dera um nome, a quem ele chamara Scarlet, o apelido de uma das guerreiras mais fortes da Guilda que ela tanto passou a amar ao tornar-se parte. Vi-me de novo na pele da criança que tentou salvá-lo quando o levaram de perto dela, que tentou ser corajosa como ele com um único propósito: o de salvar a vida do melhor amigo que alguma vez tinha tido. Não era de hoje que a Fada Titania se habituara a lutar por aqueles que lhe eram mais queridos, não fora a Fairy Tail - a mesma Guilda que essa menina passou a amar - que fez dela a protectora dos seus amigos, como ela mesma chegara a julgar. Era nas lembranças daquele seu melhor amigo que ela se apoiava para tentar ser cada dia melhor, nas lembranças daquela criança meiga e forte que ela conhecera um dia, e que a fizera ser uma guerreira pela primeira vez, que a fizera lutar pela coisa mais importante em que ele acreditava: a liberdade, o mesmo adjectivo no qual era passara a crer também, além da própria palavra em si. Como um sentimento, uma força. Um ideal, talvez. Um sonho. O nosso sonho.
Baixei a cabeça, tremendo depois, tentando conservar as poucas energias que me restavam para manter, ao menos, o equilíbrio e não me subjugar ao choro tanto como o meu peito insitia em pedir-me para o fazer. Aquilo não estava certo. Não era justo que ele ainda mexesse tanto comigo. Não era justo que, agora como um homem, tanto como antes como um amigo, ele dominasse os meus sentimentos daquela forma, como se eu fosse apenas uma mera marioneta e ele se limitasse a manobrar-me, irremediavelmente. Não era, de todo, justo isso. E à-parte de todas as coisas, parecia ser justamente esse ponto que mais me corroía por dentro. Porque eu queria odiá-lo. Porque eu deveria odiá-lo. Mas, raios... Eu nunca conseguira fazê-lo!

Parei de repente, olhando-o meio indefesa ao escutar aquelas últimas palavras. Ele dizia não se recordar... Fazia questão de agir como se não soubesse nada, como se não se lembrasse do que quer que fosse sobre as coisas, as pessoas, ou sequer ele mesmo. Mencionava várias vezes só recordar o meu nome. Mas a forma como, por vezes, falava comigo ou olhava somente para mim, me chegava a fazer pensar que talvez a cabeça dele não estivesse assim tão em branco como ele dizia, frequentemente.
- O que é que...? - tentei fazer-me de desentendida, limpando os vestígios das lágrimas do rosto, tentando retomar ao mesmo tempo a minha postura impenetrável e dura de soldado, que tanto me esforçava por envergar quando estava perto dele.