Quarto do Levi

Respirei fundo ainda a fazer tudo por acalmar-me. Engoli em seco depois. Ainda tilintavam na minha cabeça as mesmas palavras que na dele, pelos vistos. Desencostei o rosto do peito dele, procurando-lhe os olhos para os encarar. Eu sabia que ele estaria a pensar no mesmo.
- O que raio é que... O Comandante faz na Enfermaria? - verbalizei a pergunta ao fixar-lhe os olhos, preocupada. Ainda o sentia em mim e o meu coração ainda batia demasiado rápido mas... Aquela sensação leve de medo também começava a aparecer ao mesmo tempo que a do desejo.

Beijei-a de novo, apoiando novamente os braços sobre a cama para nos manter mais próximos, deixando novamente a situação desenvolver-se por si própria. Se ele estava na enfermaria ele estava bem entregue. Eu já lá ia. Haviam outras coisas a requerer a minha atenção imediata.
Continuei o trilho de beijos pelo queixo e pelo ombro dela.

Explorei a pele do queixo, pescoço e início do peito dela o máximo que pude, dada a posição em que estávamos. Na verdade eu estava-me pouco a cagar se nos ouviam. Eramos humanos, aquilo era o que humanos fazia quando se sentiam como a gente se sentia um pelo outro!
Mas talvez muitos se tivessem esquecido o que isso significava, ser Humano, nos tempos que corriam.
Recomecei novamente a mexer-me, amparando-a sempre nos meus braços, deixando o tom dos nossos gemidos se misturar de novo.

Não demorou muito dessa vez. Ambos já estávamos desejosos e picados ao máximo, ambos tínhamos aguentado o possível e o impossível durante aquela interrupção. Tinha sido quando um balsamo para os dois pudermos continuar. E eu não demorei muito a senti-la novamente ser minha, bem como ela não demorou muito a sentir que eu era dela.
A minha respiração quase me rasgava os pulmões, os meus braços trémulos com o prazer do momento, um deles sobre a cintura dela, ou outro a agarrar o estrado da cama, para maior impeto dentro dela. Desmoronei ao fim de um tempo, a minha cabeça a procurar a suavidade do peito dela.

Suspirei baixinho, quando o suave toque dos lábios dela na minha testa se tornou mais inconstante. A respiração dela continha as lágrimas... Continha o medo. Eu percebia-a... Sair dali ia fazer tudo ser diferente. Teríamos de agir diferentemente, olhar diferentemente... Isto partindo do princípio que que ficaríamos sequer no mesmo grupo... Sequer na mesma zona... Sequer na mesma ponta da muralha, na próxima missão.
- Sempre me disseram que o mundo lá fora é uma merda e caramba... Agora percebo porquê... - Disse baixinho, deitando-me para trás na cama para ela não estar a levar comigo em cima, puxando-a somente para cima do meu peito, deixando que dessa vez fosse ela a esconder-se.

Tremi no mesmo instante em que ele me abraçou, esforçando-me por não soluçar, continuando a engolir as lágrimas tanto quanto era capaz de o fazer. Deixei-me acariciar o peito dele, vezes e vezes sem conta. E, estranhamente, aquele toque, aquelas carícias, fizeram tudo parecer tão real novamente que foi como se todas as coisas que me assombravam tivessem desaparecido das minhas ideias. Mas... Eu sabia que... Elas não desapareciam verdadeiramente. Porque a morte continuava a pairar fora das paredes daquele quarto.
- Às vezes - optei por dizer, afagando a mão dele quando ele a aproximou da minha, deixando-me ficar somente assim, sem mais nada. Ele não era burro, de todo, eu sabia-o. Ele... Tinha notado bem que eu... Que havia algo a assombrar o meu lado naquele momento, não tinha? - Tenho medo, sabes? Não de morrer, só... De te perder. Mas sei que... Vais aguentar-te. Vais sobreviver porque... És o nosso herói. O herói da Humanidade.

Soltei uma fungadela que disfarçava um riso a que não achava qualquer piada.
- Não sou herói de coisa nenhum, Petra. Sou tão humano quanto vocês. São mortal quanto vocês. Apenas... Mais frio... Mais metódico, mais disposto às maiores loucuras para que isto finalmente acabe. Tal como muitos de vocês, eu já perdi muito. Perdi mais do que me atrevo a lembrar. - Olhei só para as nossas mãos, vendo o quão bem elas encaixavam, o quanto elas pareciam se adaptar uma à outra. E a verdade é que eu nunca me adaptara a nada. Simplesmente varria para debaixo da estrutura mais próxima... e não me atrevia a chegar perto. Suspirei novamente, à medida que fazia os meus dedos entrelaçarem nos dela. - E acredita... Agora sinto que posso perder ainda mais.

Forcei um sorriso, olhando para as nossas mãos também, apressando-me a beijar a dele para impedir o meu coração de se deixar apertar como queria, naquele momento.
- Eu sei que... Sei que vais ser forte e aguentar porque... - levantei o rosto, olhando nos olhos dele dessa vez, acariciando o seu rosto ao de leve, com a mão que tinha livre - Eu vejo nos teus olhos que vais resistir, não importa o quão fraco penses que sejas. Vejo isso, sei disso. E sei que... - encostei a testa à dele, deixando-me ficar assim, fechando os olhos devagar. Só queria... Guardar aquilo na minha cabeça. Só isso. Cada segundo, cada... Cada beijo. Cada palavra. Só isso.
Suspirei.
- Eu amo-te... Levi. Amo-te, foste... Foste o único homem que alguma vez achei que fosse digno de me despertar esse tipo de sentimento - procurei os lábios dele, lentamente, com os meus - Amo-te com todas... Todas as forças que me restam. E... E hei-de amar-te sempre. Até... Até... Até ao dia em que...

- Desculpa, eu... Eu... - Ele não queria falar daquilo mas... Mas eu... Eu precisava de... Só queria que ele não... Ele tinha de perceber - Posso só pedir-te uma coisa? Só mais uma, a última, prometo. É a última vez que falo disto, prometo-te...
Afastei-me só o suficiente para poder esconder depois novamente o rosto no seu peito, calada por alguns segundos, mastigando as palavras seguintes. Eu sabia que... As coisas podiam dar para o torto. Sabia que podia... Morrer. Sabia que podia ter de... Deixá-lo. A qualquer momento. Então... Era justo que eu pudesse pedir-lhe aquilo, certo? Porque... Era a única coisa que... Eu desejava se alguma coisa me acontecesse. E eu morria de medo que isso se desse sem que eu pudesse pedir-lho antes. Sem que pudesse ao menos... Pedir-lhe que nunca se esquecesse de mim.
- G-... Guarda-me aqui - beijei-o no peito mesmo quase a chorar - E não chores - acrescentei, apesar de eu própria sentir as lágrimas correrem-me desatinadas cara abaixo. Só enterrei mais a cara no pescoço dele para ele não me ver chorar, dizendo o resto baixinho ao ouvido dele - Só... Se possível... Lembra-te de mim sempre, mas não deites uma lágrima sequer. Sorri quando te lembrares destes momentos. De nós dois. Porque onde eu estiver... Juro que mesmo que esteja a chorar... Vou tentar sorrir contigo. N-Não... Não me esqueças nunca, por favor... Levi... - consegui suplicar ainda, antes de a minha voz falhar por completo devido aos soluços.

Só a olhei por largos momentos, os olhos fixos nela, meio esbugalhados devido ao choque. Ela não podia estar-me a pedir aquilo... Não sabia o quanto eu já quisera ceder, o quanto eu já quiser quebrar, por todos aqueles que eu já tinha visto partir. E não eram assim tão poucos, incluindo gente que me chegara a ser mais próxima do que o que eu alguma vez admitiria, do que o que eu alguma vez permitiria. E ela estava a quebrar todas essas barreiras, numa única noite. Com um único olhar, ela era capaz de mas quebrar, todas as muralhas que eu construíra me volta desses assuntos. E eu nunca... nunca deixaria que ela mesma fosse enclausurada naquelas muralhas.
Só a puxei para mais junto do meu corpo, abraçando-a talvez com um pouco mais de força do que aquela que seria necessária numa situação semelhante.
- Eu nunca te vou perder. Nunca... Por isso, não mo peças. Não me faças sequer pensar nessa possibilidade. Não vou deixar que ninguém te tire de mim... - Disse baixinho contra o ombro dela, de encontro aos cabelos dela, que lhe emolduravam parte do pescoço e parte do meu rosto. Não vou deixar que alguma vez penetres nessas muralhas...

- Não me... Esqueças... - pedi só de novo, escondendo o rosto no seu peito, mesmo incapaz de me parar a mim mesma quando os soluços apenas continuaram. Procurei somente a força do seu abraço, como se ele me escondesse do mundo. Eu não... Não tinha medo de morrer. Ou melhor, eu tinha um pouco mas... Acho que... Temia mais que... Ele não se lembrasse de mim, se isso acontecesse. Esse pensamento, essa possibilidade, era a que mais me amachucava dentro do peito. Porque... Era a única coisa que eu não aguentava pensar. Nunca - P-... Por favor, suplico-te...

Deixei-me só ficar assim, soluçando ainda baixinho, acalmando aos poucos a cada palavra dele, à medida que os carinhos dele continuavam.
Deixei-me aninhar no seu corpo, no seu peito, deixei que aquele abraço que continuava a proteger-me do que estava lá fora não me largasse tão cedo. Acariciei o rosto dele tanto quanto conseguia naquela posição. Eu... Não queria... Ser mais uma pessoa que ele iria ver partir. Não queria que ele me perdesse também. Doía só de imaginá-lo assim só, sem mim ali por perto para fazê-lo sorrir, para acalmar a solidão dele. Doía-me pensar que ele já tinha perdido tanto e que, mesmo assim, mantinha-se de pé, todos os dias, pronto para uma nova batalha sempre que ela pudesse existir. Porque... Cada batalha trazia sofrimento. Trazia um pouco mais da queda para a qual a Humanidade avançava, enquanto caminhava em direcção à extinção. Mas ele era uma das pessoas que mais lutava para que nunca caíssemos tão fundo. Ele fazia-nos acreditar. Fazia-me acreditar.
- D-... Desculpa... - consegui pedir, em voz baixa, acariciando a mão dele com a minha. Tinha sido por ele que eu me tinha alistado. Tinha sido por ver a coragem dele que eu decidira ir para a Tropa de Reconhecimento. Tinha sido ele a dar-me essa coragem. A fazer-me pensar que podia ser capaz. Que estar ali valia a pena. A presença dele fazia tudo valer a pena para mim. Por isso... Eu ia esforçar-me. Ia lutar o máximo de tempo para me manter viva, ao lado dele. Mesmo contra todas as probabilidades. Funguei, enxugando as lágrimas, numa atitude bem mais determinada. - Eu... Tens razão. Peço desculpa. Eu só...

- Não tens de pedir desculpa... É normal pedires isso tendo em conta o que fazemos, acho eu. Apenas... - Suspirei, enquanto deixava a minha mão fazer-lhe carinhos na barriga. - Às vezes prefiro esquecer o que faço, esquecer onde estou, esquecer tudo o que se passou. E quando estou contigo para mim é o momento ideal para esquecer tudo isso. Porque se não o fizer... Entro em paranoia, vou começar a armar-me num idiota possessivo e não vou deixar que faças mais puta de coisa nenhuma neste regimento, sem ser ficares aqui no meu quarto, onde tenho a certeza quete volto a encontrar de cada vez que conseguir cá voltar. E eu não quero ser esse homem, Petra. - Passei-lhe a mão por debaixo do pescoço, fazendo ambos os meus braços abraçarem-na pelo peito, trazendo-lhe as costas mais contra o meu peito. Os meus lábios procuraram o ombro dela uma vez mais. - Eu sei que um dia isto vai acabar. De uma forma ou de outra. Mas... Independentemente da forma como acabe, eu quero apenas aproveitar estes pequenos momentos, em que não há nada para nos assombrar. E acredita, ninguém mais do que eu está a estranhar esta paz toda. Algo em grande se aproxima... E eu só quero... Petra, eu só quero... - Abracei-a de novo contra mim. Merda, só quero puder dizer que vou estar lá, que confies em mim, que não vou deixar ninguém morrer desta vez!!! Mas eu não podia dizer aquilo. Porque, tal como das outras vezes... Não dependia somente de mim.