Terraço do Edifício Principal

Subi as escadas até chegar à porta que dava para o terraço, em silêncio. Olhava o chão, ainda. Raios... Por que carga de água tinha de ser eu a vir chamá-lo novamente? Se ele não queria estar presente nos treinos, porque motivo devia eu importar-me? Ele já deixara bem claro o que pensava da minha opinião. Então... Porque é que eu ainda me dava ao trabalho?
Detive a mão sobre a maçaneta antes de rodá-la para deixar ver a luz que assaltava os meus olhos, à medida que abria a porta devagarinho. Engoli em seco antes de dar o primeiro passo para fora dali, não tendo sequer de procurá-lo por já saber precisamente o sítio no qual ele se encontrava, naturalmente a fazer mais um serão enquanto a restante equipa treinava já no pavilhão desportivo para o próximo inter-escolas. Suspirei, antes de aproximar-me, sem levantar a cabeça.
- Estão todos à tua espera... Aomine - disse simplesmente, num tom meio apagado, ainda a encarar o chão de modo soturno, carregando bem na forma como dizia o nome dele, fazendo com que esta soasse bastante diferente do costume. Eu nunca o tratava pelo apelido quando estávamos a sós. Ele sabia muito bem disso.

Engoli em seco só, continuando a olhar para o chão sem levantar a cabeça. Recuei dois passos, seguidamente, limitando-me a não revidar o que ele havia dito. Claro que ele não estava em condições para isso... Mas alguém ouvia o que eu tinha a dizer quando eu falava dele? Quando eu aconselhava a que ele tivesse cuidado? No fim de qualquer coisa, só interessava que ele jogasse e marcasse. Que levasse a equipa à vitória. Mais alguém se preocupava com ele sem ser eu, a ponto de ir contra as opiniões dos outros? Não. Mas, no final, isso pouco valor tinha, verdade?
Já tinha discutido com a Riko durante tempo suficiente sobre o assunto. Ambas já tínhamos concordado que era melhor ele não se esforçar demais. Mas o Hyuuga exigia a presença dele nos treinos e, ele sendo o capitão, isso era algo que não podíamos desapoiar, até para dar mais moral aos outros que podiam pensar que um dos ases da Seirin estava em mais que mau estado.
No fim de contas... Em resumo, ninguém acabava por perceber que, se não fosse para jogar, o Daiki nunca passaria tempo naquele sítio com os restantes companheiros. Porque não era dessa forma que o Basket dele funcionava. E não existia coisa alguma que o fizesse mudar. Nem ele se interessava se se magoava mais ou não. Limitava-se a ir aos jogos e a marcar pontos. Era do género de uma máquina. Só que até mesmo as máquinas chegavam a um limite, decorrido um tempo.
- Tu é que sabes.
Limitei-me a virar costas, ouvindo de novo as palavras do Tetsu-Kun martelarem-me na cabeça. "O Aomine-Kun disse coisas que na realidade não são sentidas, Momoi-San. Ele não te odeia, de todo." Suspirei, engolindo o choro, novamente, como na tarde passada quando ele mas havia dito. Desculpa, Tetsu-Kun... Mas eu não acredito que não sejam sentidas...

Senti as mãos tremerem quando ele se dirigiu a mim daquela vez. Não me virei para ele novamente, limitando-me a continuar de costas voltadas. Como se o ele ver-me chorar ou não alguma vez o tivesse feito ligar minimamente ao que eu dizia... Ou ao que eu sentia... Ou... Coisa que valesse por aí adiante. Ele nunca se tinha importado, de qualquer das maneiras. Se calhar... Se calhar, era precisamente por isso que eu optara por tentar concentrar-me no Tetsu-Kun. Ele podia não me dar grandes esperanças mas... Pelo menos... Não me fazia chorar por qualquer coisa.
Segurei a respiração um pouco mais, suspirando baixinho de novo. Não. Ele não ia ter o gostinho de perceber as minhas lágrimas de novo. E muito menos iria vê-las. Eu estava farta que ele se borrifasse para mim. Que nunca me desse sequer um pedido de desculpas quando me magoava. Estava cansada de deixar passar tudo em branco, de agir como se nada se tivesse passado.
Eu não aguentava mais...
- Daqui a... D-Duas semanas... - disse só baixinho, sentindo a voz vacilar automaticamente. Limitei-me a avançar mais uns passos, em direcção à esquina que dava acesso à porta para sair dali.

Solucei só baixinho, sem levantar a cabeça. Eu tinha... Prometido que ele não me iria ver chorar outra vez, especialmente por causa dele, mas... Eu... Simplesmente... Não conseguia segurar mais. Eu só... Estava preocupada com ele. Eu preocupava-me sempre com ele. E de que raio isso me valia? Não valia de nada porque ele... Ele nem se interessava. Notava-se perfeitamente pela forma como ele desafiava a saúde dele mesmo quando tudo dizia para que ele não o fizesse.
Eu só queria que ele estivesse bem. Apenas isso. Que ele se sentisse bem, que fizesse as coisas que gostava mas que estivesse bem. E ele não estava bem naquele momento. De todo.
- Eu peço desculpa... Se... Se só queria... Ajudar - olhei fundo nos olhos dele, sentindo a cara ferver pelas lágrimas que me corriam bochechas abaixo - Peço desculpa se só estou bem a meter-me nos teus assuntos ou só imponho a minha presença a todos os momentos. Peço desculpa se sou chata, irritante e se a minha opinião sobre o teu estado pouco ou nada interessa para que te sintas bem contigo próprio. Peço desculpa se a minha cara feia passa o tempo a intrometer-se nos teus problemas. Mas é isto que eu sou! E, se contra tudo o que sempre pensei, não precisas minimamente de mim então mais vale eu afastar-me. Já és crescidinho, não precisas de ter sempre o empecilho atrás de ti.

Deixei-me chorar só baixinho, forçando a cabeça a baixar-se de novo mesmo nas mãos dele. Eu... Eu queria falar, queria gritar, queria... Bater-lhe. Bater-lhe naquela cara de estúpido até não conseguir mais, até não ter mais forças sequer para isso por muito que me apetecesse tal coisa. Já não era de agora que ele não conseguia entender-me. Por alguma razão, desde aquele dia em que eu começara a andar atrás do Tetsu-Kun por causa daquele pauzinho de gelado, ele deixara de ter tanta paciência como de costume para mim. E ele nunca fora exactamente um modelo de paciência. Mas será que aquele baka pensava que eu alguma vez o iria pôr de parte só por causa de estar apaixonada pelo Tetsu-Kun?
- Eu nunca conseguiria abandonar-te, seu otário imbecil! Nem que mo pedisses - bati-lhe no peito com força - Só... És o meu melhor amigo. O meu irmão. A coisa mais... Mais parecida com um irmão que eu tenho. Só quero que estejas bem, que penses na tua saúde, seu estúpido! Eu nunca quis afastar-te do campo, apenas pensei no que achei que era melhor para a tua saúde e perdoa-me se o fiz, mas não consigo simplesmente evitar ficar preocupada com a única pessoa que não me faz sentir uma estranha nesta escola. Eu... S-Só quis... - parei de bater-lhe, baixando a voz - ... Eu...

Fixei-o por momentos, apenas, permitindo-me a mim mesma perder naquela escuridão azul inebriante que caracterizava os olhos dele. A minha mão, desaparecida por instantes sob a dele, tendeu a acariciá-la devagar, em seguida. Podia ter falado, podia ter dito alguma coisa que quebrasse aqueles poucos segundos, mas... Simplesmente, eu não me achava muito capaz disso. Eu sempre havia considerado o Daiki um irmão, alguém que estava sempre por perto para implicar comigo, alguém com quem eu podia passar o tempo e nunca me deixaria sentir só. De facto, era isso que ele tinha feito ao longo de todos aqueles anos ao longo dos quais já nos conhecíamos. Não que eu me queixasse, eu gostava disso. Mas, às vezes... Era mais forte do que eu e o meu cérebro tendia a ser estúpido o suficiente ao ponto de me pregar algumas partidas, fazendo-me ponderar em algumas hipóteses sobre nós dois. Hipóteses descabidas, completamente despropositadas, mas... Hipóteses que eu não conseguia, de todo, descartar. E se...? E se, alguma vez, nós...?

Fechei só os olhos ao sentir o beijo dele na minha testa, só me arrepiando quando ele me disse aquela palavra ao ouvido, assim baixinho. Ele conseguia... Acelerar o meu coração quando queria. Às vezes, eu ficava mesmo um pouco atrapalhada com isso, era como se existisse algo que não aquele carinho de irmão entre as palavras dele e isso era, de facto, bastante estranho para mim.
Já me tinha ocorrido uma vez, há uns anos atrás, que talvez ele pudesse estar apaixonado por mim. Mas... Não. Para começar, o Daiki não ligava a raparigas. Nunca ligara, nunca o vira atrás e nem muito menos acompanhado por nenhuma. Em segundo lugar, ele nunca iria deixar-se misturar as coisas. Nós éramos amigos, nada mais, eu sabia bem que isso era o que ele sentia, apenas uma amizade. Finalmente... Bem... Entre tantas raparigas no mundo, ele nunca iria justamente interessar-se por mim. Eu era apenas a amiga pateta dele. Nada mais. E sim, eu conseguia viver com isso... Acho eu. Afinal, por que raio a nossa amizade teria necessariamente que dar origem a algo mais, como nos livros de romance?
Aff... Eu tinha parar de divagar sobre estas coisas...

- S-Sumimasen - disse logo, corando horrivelmente quando ele sugeriu aquilo. "Pensar coisas que não devo". Não. Eu não podia sequer deixar que ele pensasse coisas do género. Mais que uma amizade? Eu e o Daiki? Nunca. Ele não quereria, pois não?
Ou, quero dizer... Eu é que não... Eu... RAIOS, PORQUE É QUE ATÉ O MEU CÉREBRO TINHA DE ESTAR CONTRA MIM????!

Desviei o olhar, tentando não encará-lo tão pesadamente como antes, engolindo em seco uma vez mais, inevitavelmente. Eu... Porque é que eu pensava tanto naquilo, às vezes? Porque é que me vinha tantas vezes à cabeça essa hipótese se ela era totalmente descabida, se não tinha qualquer espécie de sentido? Porque é que eu...? Às vezes...? Por que razão é que, por vezes, ele parecia tão distante e, em outras alturas, era como se só quisesse ter-me por perto a toda a hora? Porque é que ele... Tão depressa dava aspecto de não estar nem aí para mim, nem sequer se interessar, como agia como se procurasse a todo o instante captar a minha atenção, tê-la para ele?
Eu... Gostava tanto de... Poder saber o que ele pensava, o que lhe ia na cabeça, às vezes. Como é que me vês, Dai-Chan? O que é que, de facto, sentes quando me olhas, quando estás perto de mim como agora? O que é que o teu coração pede quando escuta o som do meu a bater descompassado, como neste momento? Por favor... Diz-me só isso...

Deixei a mão pousar sobre o peito dele, sentindo aos poucos o batimento furioso do seu coração, encarcerado lá dentro. Engoli em seco de novo, muito vermelha, tentando formular uma resposta para aquilo mas não conseguindo que me ocorresse o que quer que fosse. O que raio se devia dizer num momento daqueles? Que palavras é que eu deveria escolher? Até que ponto eu me sentia capaz de dar esse passo em relação a ele?
Para começar: O que significava aquilo tudo? Essa sim deveria ter sido a minha primeira questão interna, mas o meu cérebro pateta estava demasiado ocupado a formular hipóteses descabidas, no momento. Era essa que deveria ser a minha pergunta principal, verdade? Quais palavras? Qual capacidade para avançar, para dar "o passo" decisivo em relação a...? Ahhh, eu devia era estar doida, isso sim!
- Aa... P-Pois... E-Eu... D-Daiki... - murmurei só, imensamente vermelha.

- N-Não é... Não é nada disso, eu...! - calei-me depois, olhando para o chão. Que raio... Ele nunca tinha tido problemas em ser directo sobre as coisas, pois não? Aliás, analisando bem as coisas... Ele sempre tinha sido demasiado directo comigo. Directo ao ponto de dizer até coisas que não tencionava dizer. Então, agora... Se, por acaso, ele sentia mesmo alguma coisa por mim, por que raio não mo dizia directamente? Por que razão deixava que um acto leve deixado no ar se sobrepusesse às palavras? Eu também não sabia exactamente como lidar com aquilo tudo. Até porque eu nunca tinha, de facto, acreditado que ele pudesse sentir algo assim justamente por mim, a sua amiga palerma. Raios, porque é que...? Porque é que ele não era directo comigo?

- U-Uma... Uma n-nega? - olhei-o, tristemente. Ele... Pensava mesmo que eu...? Não. Eu nunca faria isso. Nunca seria capaz de algo assim. Eu... Também... Também gostava dele. Talvez nunca tivesse mesmo acreditado que pudéssemos ter futuro juntos, mas... Mas eu... Ahhh...!
Raios, Dai-Chan, porque é que não mo dizias de uma vez? Porquê? Era assim tão difícil dizeres essas palavras? Era assim tão humilhante dizeres que me amavas?
- E-Eu... Eu não te dei nega nenhuma, Aomine - disse só, sentindo o peso de cada palavra pela forma como eu dizia aquela frase. Sentia o peso daquela frase apenas pela forma como dissera a última palavra. Pela forma como dissera o nome dele, novamente. E depois eu achava estranho nunca ter pensado que ele poderia estar, de facto, verdadeiramente interessado em mim? Ele nem era capaz de me dizer o que estava a sentir com todas as letras, por Kami-Sama!
Suspirei, depois, olhando-o fundo nos olhos sem ser capaz de me conter dessa vez para não dizer nada que não devesse ser dito. Se eu exigia que ele fosse directo comigo, também era absolutamente necessário que eu o fosse com ele, certo? Mas... Até que ponto eu seria capaz de tal coisa?
- Diz-me só uma coisa - comecei só - Humilha-te assim tanto dizeres-me o que sentes por mim? Cara a cara? É assim tão humilhante que nem consigas dizer-mo, ser directo comigo, dizer que me amas? É assim uma coisa tão humilhante para um dos ases do Basquetebol da Seirin, um dos membros da Geração dos Milagres, dizer que está apaixonado por uma pateta como eu? É assim tão mau? É isso? É estranho, é difícil de dizer? É mau ao ponto de teres vergonha de o admitir por palavras e preferires desistir quando nem sequer foste directo comigo?